quarta-feira, 28 de outubro de 2009

frio...




tão exposta...
faz tanto frio.
vou tentar entrar um pouco...
quem sabe a campainha toca,
e haja um cobertor!
(fernanda pereira)

tédio

"- mestre.
uma doença me consome e me inferniza,
a mocidade e o espírito
resulta de uma chaga que nunca cicatriza.

sendo o mais sábio clínico do mundo,
és também filósofo notável,
do peito humano auscultador profundo,
curai-me desse mal inexorável

que me devora o organismo fibra a fibra,
que me enevoa o cérebro e o condensa.
eu tenho um coração que já não vibra
suporto uma cabeça que não pensa.

- o meu amigo tem razão e dessa chaga deveras padece.

contudo, a enfermidade, esse mal que o devora,
é um produto fatal do século de agora
o tédio é uma terrível e mortal loucura
a treva interior, a grande noite escura.

no entanto um choque, um abalo violento
pode curá-lo, creia, apenas num momento.

diga-me: alguma vez amou?

nunca seu peito sangrou por uma paixão ardente?
como a água do mar que se agita e encapela
no soturno rumor do vento e da procela!

- nunca.

- pois bem, meu caro!

procure uma agitação constante
um prazer infindo
um gozo triunfante.

já visitou a grécia, oriente, terra santa?
essas terras que evocam e encantam!
apreciou as belezas da cidade eterna?
que deslumbra e amesquinha a geração moderna!

- em infinitas orgias passei a mocidade
e viajando pela terra, vi a humanidade
como andarilho errante, as mulheres todas
seus lábios beijei em bacanais e bodas.

mulher nenhuma eu vi sobre a terra tamanha
que para mim não fosse uma visão estranha
como parti, voltei, sem encontrar alívio
para esse mal que assim me faz cativo.

- então, como último recurso te receito o circo.

o famoso palhaço que a cidade encanta
palmas e aclamações da população arranca
talvez lhe restitua a gargalhada franca.

- um farsante assim, tão querido e aclamado
tem um riso de morte, um riso mascarado
que encobre a dor sem fim do tédio e do cansaço
foi lá que percebi meu mestre, “sou eu esse palhaço.”
(o tédio, de heinrick heine)

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

'o filme que eu quero viver'


"você me embalou
no teu cartaz
e o filme já morava lá

a chuva caiu
você me escondeu
cheiro de pipoca no ar

e foi aí que tudo escureceu
veio um facho de luz
me cortou
me cegou
me pariu
de bruços, embaixo da cama dormi

a cena final
a luz ascendeu
lá fora não temos dublê

um beijo de sal
seus dedos nos meus
e o filme que eu quero viver

cheiro de pipoca no ar"
(cine star, duo moviola: kiko dinucci e douglas germano - de jonathan silva, kiko dinucci, lincoln antonio...)
.
.
.
sei do filme que quero viver,
e quando ele entrar em cartaz
essa sala de cinema há de ser minha moradia, minha moranoite,
meu sofá e meu colo para deitar.
(fê, por algo que se "mostra", mesmo que se esconda)

sábado, 24 de outubro de 2009

sou eu, entende?

"não é com o teu ser... é com o meu... dá pra entender?... coisas outras no meu mundo ao redor... sei lá? como vou dizer? outros corpos enlaçando o meu desejo... que se seduz fácil pelo lá fora... você linda... você tudo intacto!
... o frescor de fora abala a minha falta de firmeza... você amor porto seguro, certeza, totem de amor para sempre... ao te rejeitar eu rejeito a mim, entende???"
(primeira porta - trecho da peça "de como fiquei bruta flor...", de dramaturgia de claudia schapira e direção de cibele forjaz)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

ato

o sujeito por vezes vê-se vivendo tal qual autômato, reproduzindo ações e rotinas que não fazem sentido, por vezes até questiona-se do porquê, porém permanece reproduzindo. sensações tais quais as da depressão são justamente fruto das ações sem sentido, e perdendo-se o sentido não há mais impulsos para ir para qualquer lado.
situações como essa, podem ser comparadas com um jogo de poker: só acabam se você sai da mesa, levanta e sai; pois elas podem não ter fim, podem levar a cronicidade autômata (auto.mata). no entanto, é possível entender que os verdadeiros ganhos podem estar fora da mesa, que aquele jogo não é bom para ele, que suas cartas não servem para aquela rodada, e que, sobretudo, o maior blefe é aquele que engana o próprio sujeito. e para levantar da mesa - e sim, pode levantar - é preciso um ATO. um ato em direção ao sentido, em direção a possibilidade, em direção a algo que é diferente do gozo, do excesso ou da carência, mas que é da ordem do prazer, da homeostase possível das coisas, e sim, é possível.
levantar e sair.
apelo ao ato.
(fernanda pereira - reflexões)
(figura: autor desconhecido)


quinta-feira, 22 de outubro de 2009

autoconservação

no processo de identificação, o sujeito identifica-se com seus semelhantes para assegurar-se humano. quando a agressividade aparece em primeiro plano, priorizada na projeção, isso pode ser um problema, e nesse processo, algo pode transformar essa agressividade em violência, que é o caráter paranóico, no qual a imagem de si é vista como sendo a imagem do outro, e uma espécie de persecutoriedade se dá em relação a própria imagem. dá-se então acontecimentos como ataques de pânico, estranhezas do ambiente, estranhamentos físicos - imagens e uma autopercepção que não é familiar ao sujeito, a princípio.
estamos pensando aqui num fragmento do processo da formação do eu, e quando surge esse eu, surge a pulsão de autoconservação, aquilo que define uma unidade. movimentos que coloquem essa integridade em risco, podem soar ameaçadores.
como exemplo, temos a mudança de um sujeito para um novo país. pode não haver sintonia do eu com o ambiente, é egodistônico. o que pode haver é uma ameaça imensa de desintegração do eu, pode-se então sentir pânico, ou mesmo perder a coerência do pensamento... a pulsão de autoconservação é acionada e o sujeito pede ajuda. porém, a pulsão sexual (aqui como sendo aquilo que coloca o eu em risco) atua como uma força que quer fazer escapar o desejo, e entra em choque com a pulsão de autoconservação, que é a que busca de preservar a integridade.
trata-se de um embate entre aquilo que quer preservar o eu e aquilo que o coloca em risco.
trata-se de refletir acerca da vivência e transformá-la em experiência que o coloque como uma possibilidade de existência, de sujeito no mundo diante das possibilidades. eis a autoconservação.
(fernanda pereira - reflexões de fragmentos a la fani)
(figura: room in brooklyn, edward hopper)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

possibilidade

o homem tem horror à solidão física, isso faz com que ele se identifique com o outro.
trata-se do chamado por kant, nietzshe, tocqueville e barrays de "rebalho", ou "gregário", do movimento das agregações e das buscas.
dá-se, entre outros, as vivências ou mesmo a possibilidade de experiências. a distinção entre elas existe. na vivência há vida prática, acúmulo de tarefas, execução de atividades, compromissos, afazeres, submissão consciente e inconsciente; uma prática sem reflexão, que é também o primeiro passo para a depressão: vida só pelos impulsos. na experiência o sujeito depara-se com a simbolização, é preciso um ócio, um tempo para si para entender do que se tratou a vivência; sim, acredite: o ócio, o tempo para si, é permitido. eis então a possibilidade da transformação da vivência em experiência.
o estar só pode ser recebido na função de reflexão, e pode ser bem recebido no entendimento de que se pode sim estar junto.
no entanto, aquilo que não se simboliza, ou que não se pode simbolizar é o que traz angústia, ora, eis então a necessidade de re-significar.
a angústia, para lacan, é aquilo que se aproxima do real, e por tratar-se do real, não se pode significar totalmente, apenas parcialmente, porém, entenda-se aqui que há uma possibilidade. (fernanda pereira - reflexões de fragmentos a la montoto)
(figura: sunday, 1926, edward hopper)

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

delicadeza, gentileza gera gentileza

"já cansei do seu mau humor
me deixa em paz
faz tempo que não me lembro mais quem sou

você parece que esquece
que o que me atrai é a sua delicadeza
gentileza gera gentileza"
(claudia dorei - gentileza)

http://www.myspace.com/claudiadorei

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

venha descansar na minha cama...



"nossa senhora da paz
a bailarina do circo
vem beijar a pele da cidade
as feridas
os jardins
a pressão
e o motor

nossa senhora dos sonhos
a trapezista do circo
venha descansar na minha cama
traga toda luz que há no céu
traga toda luz que há no chão
leva meu atalho e minha sorte
no movimento da rua
as feridas
os jardins
a pressão
e o motor"
(nossa senhora da paz - cordel do fogo encantado)
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"nossa... paz...
[nossos]... sonhos
venha descansar na minha cama"

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

quero ter olhos pra ver...

"o sol, há de brilhar mais uma vez
a luz, há de chegar aos corações
do mal, será queimada a semente

o amor, será eterno novamente

é o juízo final, a história do bem e do mal
quero ter olhos pra ver, a maldade desaparecer"
(nelson cavaquinho e elson soares - juízo final)
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'o amor, será eterno novamente
quero ter olhos pra ver...'


(deusa dos orixás e juízo final - clara nunes, 1975)