domingo, 31 de outubro de 2010

a outra metade também...

"que não seja preciso mais do que uma simples
alegria para me fazer aquietar o espírito
e o teu silêncio me fale cada vez mais
porque metade de mim é abrigo
mas a outra metade é cansaço
que a arte nos aponte uma resposta
mesmo que ela não saiba
e que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade
para faze-la florescer
porque metade de mim é plateia
e a outra metade é canção
que minha loucura seja ao menos perdoada
porque metade de mim é amor
e a outra metade também"
(oswaldo montenegro)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

sobre o resgate da subjetividade...

O NOME DA VACA (por Moacyr Scliar)
Ao ver que subestimara a psicologia animal, passou a batizar todas as vacas; o resultado foi fantástico.

No Ig Nobel, uma espécie de "Oscar" dos trabalhos científicos mais esdrúxulos do ano, foram premiados, na categoria de medicina veterinária, Catherine Douglas e Peter Rowlinson (Universidade de Newcastle, Reino Unido), por mostrarem que vacas que têm nome dão mais leite do que as que não têm.

crônica:
"OS DOIS ERAM IRMÃOS, os dois viviam no campo, os dois tinham tambos de vacas leiteiras. Não com o mesmo êxito, porém.
O tambo do irmão mais velho, Arnulfo, era muito bem-sucedido; produzia cerca de quatro a cinco vezes mais leite que o tambo do irmão menor, Miguel. E isso deixava Miguel frustrado e irritado. Simplesmente não conseguia identificar a razão dessa diferença.
As vacas de ambos os tambos eram da mesma raça, recebiam a mesma ração, os mesmos cuidados, eram assistidas pelo mesmo veterinário. Na hora da ordenha, contudo, as vacas de Miguel davam uma quantidade insignificante de leite. Em busca de uma solução, ele consultou outros criadores, numerosos veterinários e até adivinhos, sempre sem resultado.
Mas Miguel era um homem atento, informado. Estava sempre atrás de novidades no ramo leiteiro. Foi assim que leu, na internet, a notícia de um trabalho inglês mostrando um fato surpreendente: vacas que têm nome dão mais leite que vacas anônimas.
Miguel ficou boquiaberto. Dava-se conta de uma diferença fundamental entre as vacas de seu irmão e as dele. As vacas de Arnulfo todas tinham nomes, e nomes carinhosos: Mimosa, Princesa, Brejeira, Boneca. Nomes ternos, engraçados, nomes que faziam Miguel debochar do mano: para mim você anda tendo casos com suas vaquinhas.
Agora, porém, percebia seu erro, subestimando a psicologia animal. Um erro que corrigiu em seguida: no mesmo dia batizou todas as vacas, usando nomes de antigas namoradas (várias, felizmente). O resultado foi fantástico. Tal como sugerira o trabalho, a produção de leite aumentou astronomicamente.
Uma das vacas revelou-se particularmente produtiva. Na verdade, dava tanto leite que sua fama não tardou a espalhar-se. Se você vendê-la, vai ganhar uma fortuna, sugeriu Arnulfo. E Miguel de fato começou a pensar na possibilidade. Um dia de manhã, contudo, aconteceu algo inesperado. Ele foi ao tambo, e, como de costume, saudou as vacas pelo nome: bom dia, Silvana; bom dia, Daisy...
Mas quando chegou na campeã, constatou, perturbado, que esquecera o nome dela. E não houve jeito de lembrar, nem naquele dia, nem nos dias seguintes.
Resultado: a vaca não deu mais leite. Em vão, Miguel tentou usar outro nome; não, pelo jeito, ela queria mesmo o original.
Que ele não consegue lembrar. Lembra, sim, a moça de mesmo nome que havia namorado anos antes, em outra cidade, e que desde então perdera de vista. Namoro curto, porque a garota era muito chata; mas, quando ele anunciou o fim da ligação, ela fez uma ameaça que se revelou profética: um dia, disse, você vai pagar por ter me desprezado.
Agora, porém, percebia seu erro, subestimando a psicologia animal. Um erro que corrigiu em seguida: no mesmo dia batizou todas as vacas, usando nomes de antigas namoradas (várias, felizmente). O resultado foi fantástico. Tal como sugerira o trabalho, a produção de leite aumentou astronomicamente.
Uma das vacas revelou-se particularmente produtiva. Na verdade, dava tanto leite que sua fama não tardou a espalhar-se. Se você vendê-la, vai ganhar uma fortuna, sugeriu Arnulfo. E Miguel de fato começou a pensar na possibilidade. Um dia de manhã, contudo, aconteceu algo inesperado. Ele foi ao tambo, e, como de costume, saudou as vacas pelo nome: bom dia, Silvana; bom dia, Daisy...
Mas quando chegou na campeã, constatou, perturbado, que esquecera o nome dela. E não houve jeito de lembrar, nem naquele dia, nem nos dias seguintes.
Resultado: a vaca não deu mais leite. Em vão, Miguel tentou usar outro nome; não, pelo jeito, ela queria mesmo o original.
Que ele não consegue lembrar. Lembra, sim, a moça de mesmo nome que havia namorado anos antes, em outra cidade, e que desde então perdera de vista. Namoro curto, porque a garota era muito chata; mas, quando ele anunciou o fim da ligação, ela fez uma ameaça que se revelou profética: um dia, disse, você vai pagar por ter me desprezado.
E agora ele está pagando. Se pudesse, iria em busca da garota. Mas precisaria recordar-lhe o nome. O que está fora de seu alcance: o enigma do nome é o misterioso enigma da vida, que se manifesta em humanos e em vacas. Nos primeiros, pela capacidade de dar nomes; nas vacas, pela produção de leite."


"o que a ciência esvazia de significações, a arte pode preencher" (eduardo furtado, psicanalista)

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

desrespeitou os sinais...


"bifurcação, entrocamento, contramão, são ruas sem fim, vias de fato aos pés de quem desrespeitou os sinais e atravessou ileso, decidiu flutuar, quis se plantar de peso. quando a noite cansar e a luz brotar a esmo, sigo meu caminhar, nunca amanheço o mesmo".
vídeo: thiago frança, juç...ara marçal e kiko dinucci, cantam vias de fato de douglas germano, kiko dinucci e edu batata

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

só o amor nessa vida conduz...


"se eles julgam que há um lindo futuro, só o amor nessa vida conduz. saibam que deixam o céu por ser escuro, e vão ao inferno à procura de luz"
(vídeo: gilberto gil e hildo hora, esses moços, de lupicinio rodrigues)

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

eu enxergo!

“- quanto você enxerga?
- ... é só porque eu estava sonhando acordada
- sonhando acordada? sonhando com o quê?
- eu ouço música, ritmos.
- ora, vamos! música!
- ... precisa ficar atenta o tempo todo. prometa que ficará acordada!
- prometo parar de sonhar.”


“- eu já vi tudo
eu vi as árvores
eu vi as folhas do salgueiro dançando com a brisa
... eu vi vidas terminarem muito antes do fim
eu vi o que eu era
e sei tudo que serei
eu sei tudo isso
não há nada mais a ser visto
- você não viu os elefantes, reis ou peru
- fico feliz em dizer que mais o que fazer
- e a china, já viu a grande muralha?
- todo muro é ótimo, desde que segure o teto
- e o homem com quem irá se casar? e a casa que irá dividir?
- para ser bem franca, eu não me importo
- nunca esteve nas cataratas do niágara
- já vi muita água, e água é só água
- e a torre eiffel? o empire state?
- tão altos quanto a minha pulsação no meu primeiro encontro
- e as mãozinhas do seu neto brincando com seus cabelos?
- para ser bem franca, eu não me importo
eu já vi tudo
eu vi a escuridão
eu vi a luminosidade de uma pequena faísca
eu vi o que escolhi ver
vi o que precisava
e isso basta
querer mais seria avidez
eu vi o que eu era
e sei o que serei
eu já vi tudo isso
não há nada mais a ser visto
- você já viu tudo isso
e tudo o que você já viu
sempre pode rever na telinha da sua mente
a luz e a escuridão
o grande e o pequeno
guarde-os sempre em sua mente
não precisa de mais nada
viu o que você era
e sabe o que vai ser
você já viu tudo isso
não há mais nada para ver.
(- você não enxerga, não é?
- ... eu enxergo!)”
(dançando no escuro, filme de lars von trier
música: i've seen it all, björk)

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Tecnologia deixa a privacidade cada vez mais anacrônica

"Desde a invenção da câmera fotográfica, o poder da imagem não para de crescer.
A fotografia é como um vírus que se transmuta para adaptar-se a cada novo surto tecnológico. Seu último grito se chama Google Street View.
O Google Maps, que tanto nos encantou, com voos e zooms em ambientes desconhecidos e familiares, agora perambula pelas ruas flagrando cenas constrangedoras e desconcertantes.
Tudo não apenas se tornou fotografável, mas também exibível, recurso que põe o dedo diretamente na ferida da privacidade. Vigilância/ privacidade é o binômio-chave que abre as portas de ambivalências, paradoxos, desafios e dilemas insolúveis do mundo digital.
Já estávamos acostumados e até adaptados às câmeras de vigilância: "Sorria, você está sendo filmado". E sorríamos mesmo. A vigilância é ambivalente. Serve para proteger, mas também invadir.
Foi-se o tempo em que privacidade significava "direito de estar só". Desde a explosão do rádio e da TV, ninguém mais está realmente só. Agora, os acelerados avanços tecnológicos tornam a privacidade cada vez mais anacrônica.
À vigilância das câmeras, que registram imagens pelos quatro cantos dos exteriores da cidade e de seus interiores, adiciona-se um tipo mais híbrido, onipresente e invisível, que emergiu com os computadores e se radicaliza com os dispositivos móveis ligados a redes e com tecnologias de geolocalização.
Sem nos darmos conta, a qualquer momento, em qualquer lugar, somos observados e nossos dados são absorvidos para destinos que desconhecemos.
Câmeras, satélites, celulares, cartões de fidelidade, chips de identificação, sites de relacionamento e mesmo a Wikipédia espreitam-nos sem trégua, pois esses dispositivos não descansam, não saem de cena. A adaptação a esse mundo parece exigir de nós, seres carnais, o mesmo poder de transmutação dos seres tecnológicos".
(Lucia Santaella, especial para a Folha de São Paulo, 06.10.2010)

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

"só você vendo que botão de mágoa, moço"

"ô meu deus, que madeiro tão pesado. cada passo que ele dava, ele caía ajoelhado"

"tem que cantar, até pra eu ficar mais leve. se não cantar, pesa"

"eu deitada no seu colo, sereno não me molhou"

(terra deu terra come, filme de rodrigo siqueira)

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

delicatessen

retrata um pouco do tanto da espécie humana, dos que os homens, tal qual pedaço de carne que somos, são diante de supostas situações de privação. com certo humor e inteligência nos coloca diante do que se pode ser, ou mesmo do que outrora teria sido. sobretudo nos convida a nos colocar e/ou questionar o lugar de sujeitos que ocupamos. sujeitos no sentido do que realmente o termo trata, é sujeito porque se sujeita, se sujeita à cultura, e é ela que nos possibilita viver juntos. o lindo do filme é que um palhaço é que faz retrato da sensibilidade e da possibilidade da beleza humana, do sujeito no mundo , que lembra da possibilidade das re.lações, da necessidade do perdão para que as pessoas possam viver juntas, afinal sempre haverá falhas e faltas, e da genuinidade de dar-se ao trabalho de pensar no que pode levar alguém ter determinadas escolhas. destaque à cena - aos meus olhos, a mais linda do filme - do violoncelo e do serrote que opostamente sofisticados, juntos são capazes de tocar e tocar e nos lembrar da fragilidade e da fortaleza que é ser sujeito humano. o triste é pensar que no dado momento da nossa política é também um palhaço – opostamente querido e sensível ao do filme - que está nos pondo diante da “nossa barbárie”, falta de questionamento e lugar no mundo. é um palhaço que retrata um tanto da nossa situação e faz quase vir um “é uma puta falta de sacanagem”, como disse a “sábia” fã dos pops e coloridos meninos “cantantes” da tal banda que ultimamente ganhou destaque e um tanto de prêmios na música brasileira, tal qual as bandas coloridamente semelhantes... e que também nos convidam para a possibilidade de reflexão sobre um tanto do que tem nos rodeado e nos questionarmos que posição queremos ocupar diante do que nos é oferecido, diante de nossos próprios sintomas, diante de nossa vontade de viver, e fazer de nossa existência algo da ordem do prazer que podemos ter enquanto sujeitos da cultura, enquanto sujeitos relacionais, e sim, podemos ter prazer... justamente a medida do prazer que nos permite viver.
(filme: delicatessen, de jean-pierre jeunet e marc caro, frança, 1991)
(texto: fernanda pereira)