há alguns dias ganhei uns livros de uma amiga amada... entre eles, o livro "por um fio", de drauzio varella. o misto entre o desejo de ler pelos que bem falam e a resistência por meus receios ao que soa muito pop, fizeram-me pensar algumas vezes antes de começar a ler... e eis que fui ver do que se tratava. o livro fala de algumas experiências do dr. drauzio com seus pacientes com doenças terminais ou progressivas, diante da iminência da morte ou da possibilidade de cuidados. suponho que o fato de eu ter trabalhado como psicóloga por cerca de um ano com pacientes terminais e progressivos tenham aumentado minha identificação com os relatos do livro e as sensações tidas durante as escutas dos pacientes.
não tenho a intenção de indicar a leitura do livro, fazer alguma crítica, ou mesmo um grande elogio. esse escrito é uma tentativa de por em palavras a sempre forte sensação que os lidos deram-me, a de que o que há de mais importante é de fato o amor.
os momentos mais delicados da doença e mesmo o fim da vida eram sempre acompanhados do desejo do amor, de ter ao lado os bons afetos. os que viveram uma vida de amargura e desprezo, e que nesse momento encontravam-se sozinhos, grande era o lamento e as queixas... a sensação era de injustiça, desamparo e negação dos caminhos traçados por cada qual para deparar-se com esse fim, e sim, a busca - com o pouco de força de vida que restava - por cuidados, por companhia, por afetos.
por outro lado, lindas eram as descobertas e os encontros com o tão quisto amor e o não morrer sozinho.
"... foi a vez de ele vir sozinho à consulta. não usava o terno cinza nem gravata; vestia camisa azul-clara e malha amarela, sua expressão estava descontraída, e os olhos tinham um frescor juvenil. não parecia a mesma pessoa.
no final do exame, disse-lhe que nunca o vira tão bem e perguntei a que se devia aquela mudança. sorriu, envergonhado como um adolescente:
- ao amor!
estava vivendo com uma outra pessoa... disse que foi o sorriso feminino mais encantador já dirigido a ele. uma alegria instantânea ressuscitou em seu espírito."
também...
"enquanto a saúde de seu israel permitiu, o casal visitou cidades européias, praias, lugares exóticos, e alugou um barco para passeio nos fins de semana. ele vinha para as consultas queimado de sol, otimista com a evolução da enfermidade, evidentemente feliz, como reconheceu uma vez em que elogiei a elegância das roupas novas:
- passei da idade das ilusões, mas foi a coisa mais maravilhosa que poderia me acontecer... precisei ficar velho e com uma doença que não perdoa para descobrir o prazer de viajar ao lado de uma mulher bonita, sincera e bem-humorada."
ou mesmo...
"aliás, nenhum lugar ou bem material tem significado algum. quando o tempo é curto o que interessa é estar atento aos pequenos prazeres, como ouvir o sabiá que me acordou esta manhã, e aproveitar em toda a intensidade a companhia das pessoas queridas."
é delicado pensar em como passamos nossas vidas ocupadas com os afazeres, com os compromissos sociais, com as responsabilidades do trabalho, com a preocupação em atender as demandas que tão pouco sentido fazem e que por vezes nem se sabe de onde vem... e deixar de lado justamente o que é a grande demanda, a demanda de amor... sobretudo supor que os afetos são de menos importância, ou mesmo que sempre estará lá em algum lugar reservado para atender o narcisismo de cada qual quando desejarem. há também os que são descrédulos do amor, das relações, das trocas, e não param para fazer “questão” da descrença que só fomenta a distância que o tão quisto amor toma em situações como esta.
é delicado pensar que para muitos é preciso uma vida inteira, e quiçá a morte, para dar-se conta do quão sublimes são os bons afetos, do quão apaziguador é o bom amor.
não tenho a intenção de indicar a leitura do livro, fazer alguma crítica, ou mesmo um grande elogio. esse escrito é uma tentativa de por em palavras a sempre forte sensação que os lidos deram-me, a de que o que há de mais importante é de fato o amor.
os momentos mais delicados da doença e mesmo o fim da vida eram sempre acompanhados do desejo do amor, de ter ao lado os bons afetos. os que viveram uma vida de amargura e desprezo, e que nesse momento encontravam-se sozinhos, grande era o lamento e as queixas... a sensação era de injustiça, desamparo e negação dos caminhos traçados por cada qual para deparar-se com esse fim, e sim, a busca - com o pouco de força de vida que restava - por cuidados, por companhia, por afetos.
por outro lado, lindas eram as descobertas e os encontros com o tão quisto amor e o não morrer sozinho.
"... foi a vez de ele vir sozinho à consulta. não usava o terno cinza nem gravata; vestia camisa azul-clara e malha amarela, sua expressão estava descontraída, e os olhos tinham um frescor juvenil. não parecia a mesma pessoa.
no final do exame, disse-lhe que nunca o vira tão bem e perguntei a que se devia aquela mudança. sorriu, envergonhado como um adolescente:
- ao amor!
estava vivendo com uma outra pessoa... disse que foi o sorriso feminino mais encantador já dirigido a ele. uma alegria instantânea ressuscitou em seu espírito."
também...
"enquanto a saúde de seu israel permitiu, o casal visitou cidades européias, praias, lugares exóticos, e alugou um barco para passeio nos fins de semana. ele vinha para as consultas queimado de sol, otimista com a evolução da enfermidade, evidentemente feliz, como reconheceu uma vez em que elogiei a elegância das roupas novas:
- passei da idade das ilusões, mas foi a coisa mais maravilhosa que poderia me acontecer... precisei ficar velho e com uma doença que não perdoa para descobrir o prazer de viajar ao lado de uma mulher bonita, sincera e bem-humorada."
ou mesmo...
"aliás, nenhum lugar ou bem material tem significado algum. quando o tempo é curto o que interessa é estar atento aos pequenos prazeres, como ouvir o sabiá que me acordou esta manhã, e aproveitar em toda a intensidade a companhia das pessoas queridas."
é delicado pensar em como passamos nossas vidas ocupadas com os afazeres, com os compromissos sociais, com as responsabilidades do trabalho, com a preocupação em atender as demandas que tão pouco sentido fazem e que por vezes nem se sabe de onde vem... e deixar de lado justamente o que é a grande demanda, a demanda de amor... sobretudo supor que os afetos são de menos importância, ou mesmo que sempre estará lá em algum lugar reservado para atender o narcisismo de cada qual quando desejarem. há também os que são descrédulos do amor, das relações, das trocas, e não param para fazer “questão” da descrença que só fomenta a distância que o tão quisto amor toma em situações como esta.
é delicado pensar que para muitos é preciso uma vida inteira, e quiçá a morte, para dar-se conta do quão sublimes são os bons afetos, do quão apaziguador é o bom amor.
texto: fernanda pereira
livro: por um fio, drauzio varella , companhia das letras, 2004.
figura: "repouso na fuga para o egito", de caravaggio, 1595
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