quarta-feira, 20 de maio de 2009

latinha...

"um dia eu estava num barquinho com algumas pessoas, membros de uma família de pescadores de um pequeno porto. nessa ocasião, nossa bretanha ainda não estava nas condições de grande indústria, nem da frota de pesca, o pescador pescava em sua casquinha de noz, com seus riscos e perigos. eram esses riscos e perigos que eu gostava de partilhar, mas não eram riscos e perigos o tempo todo, havia também seus dias de bom tempo. um dia, então, em que esperávamos o momento de puxar as redes, o chamado joãozinho, vamos chamá-lo assim – ele desapareceu, como toda a sua família, exatamente pela tuberculose, que era nessa época a doença verdadeiramente ambiente na qual toda aquela camada social se deslocava – me mostra alguma coisa que boiava na superfície das ondas. era uma latinha, e mesmo precisamente, uma lata de sardinha. ela boiava ali ao sol, testemunha da indústria de conserva, que estávamos, aliás, encarregados de alimentar. ele respelhava ao sol. e joãozinho me diz – tá vendo aquela lata? tá vendo? pois ela não tá te vendo não!
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o que é luz tem a ver comigo, me olha, e graças a essa luz, no fundo do meu olho, algo se pinta – que de modo algum é simplesmente a relação construída, o objeto sobre o qual demora a filosofia – mas que é impressão, que é borboteamento de uma superfície que não é, de antemão, situada para mim em sua distância. aí está algo que faz intervir o que é elidido na relação geometral – a profundidade do campo, com tudo que ela apresenta de ambíguo, de variável, de não dominado de modo algum por mim. é mesmo mais ela que me apreende, que me solicita a cada instante, e faz da paisagem coisa diferente de uma perspectiva, coisa diferente do que chamei de quadro.
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e eu, se sou alguma coisa no quadro, é também sob essa forma de anteparo, que ainda há pouco chamei de mancha."
(jacques lacan – seminário 11 – a linha e a luz)
(figura: os embaixadores, quadro de hans holbein, 1533)
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lá.tinha...

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